sobre a brincadeira 

As crianças brincam muito?

SIM! As crianças brincam sempre. Só nas condições mais extremas de pobreza ou maus tratos é que a investigação encontra crianças que não brincam. Isto sugere que brincar está na natureza das crianças, que é algo que não podem evitar fazer, o que por sua vez sugere que brincar representa uma necessidade absoluta das crianças.

Sugestão de leitura: Importância do brincar (Sociedade Portuguesa de Pediatria)

Onde e quando brincam as crianças?

As crianças têm vindo a perder oportunidades de brincadeira à medida que a sociedade investe em mais "ensino", em mais atividades extra-letivas estruturadas e por ser cada vez mais raro poderem ir para a rua brincar com os amigos. As crianças com idades entre os 3 e os 11 anos passam entre 6 e 10 horas por dia na escola, por vezes seguidas de atividades (que muitas vezes não escolhem), e só depois vão para casa, onde, se não tiverem trabalho de casa, têm tempo para brincar um bocadinho entre jantar, tomar banho e ir dormir.

Brincar tem muitas funções no desenvolvimento infantil e por isso é urgente devolver às crianças as oportunidades de tempo, de espaço e de permissão para brincar. Hoje, isso não está salvaguardado.

Sugestão de leitura: "Brincar é importante", mas brincam as crianças o suficiente? (Sic Notícias e Lusa)

A brincadeira é toda igual?

O conceito de brincadeira depende do contexto, e pode englobar tanto brincadeiras livres como brincadeiras estruturadas e jogos, mas não são todas iguais. A brincadeira mais gratificante e com mais significado parece ser a brincadeira livre.

Sugestão de leitura: Definitions of Play  (Peter Gray)

O que é brincadeira livre?

A brincadeira livre é a brincadeira que é escolhida livremente, que é dirigida pelas crianças e que é motivada pelo prazer de brincar. A criança brinca porque quer e enquanto quiser, escolhe livremente ao que quer brincar e é ela que gere o rumo da brincadeira.

Alguns especialistas defendem que esta é a única forma que pode realmente ser considerada brincadeira, embora todas as outras atividades lúdicas possam ser divertidas e gratificantes.

Sugestão de leitura: What is free play and why should you encourage it at home? (UNICEF)

Que condições promovem a brincadeira livre?

A brincadeira livre floresce naturalmente sempre que as crianças têm oportunidade ou ficam... aborrecidas! Por isso a primeira condição para que haja brincadeira livre é haver tempo livre. Depois, se o espaço for adequado e oferecer muitas possibilidades, e se a criança sentir que tem permissão, da parte dos adultos, para brincar como deseja, a brincadeira torna-se rica, complexa e envolvente.

A Natureza é particularmente interessante como ambiente para brincar, principalmente porque oferece inúmeras possibilidades: materiais soltos, como paus, pedras, terra, areia, água, plantas, flores que estimulam os sentidos e convidam à construção; desafios, como pedregulhos e árvores para trepar, desníveis e encostas para saltar e rebolar; sazonalidade, ao mudar de elementos e de cor com as estações; a chuva, o vento, o sol, o calor e o frio; esconderijos, que criam recantos para segredos e para jogos.

Sugestão de leitura: Libertem as Crianças: A urgência de brincar e ser ativo

(Carlos Neto)

E os brinquedos?

Um brinquedo é um objeto com que alguém brinca. A maioria dos brinquedos na nossa sociedade são pensados para alguma função e, por esse motivo, podem limitar um pouco a brincadeira. Com um boneco de um super-herói específico brinca-se a esse super-herói, dificilmente se inventa outro herói ou se usa o boneco para servir de outra personagem. Uma caixa de cartão, pelo contrário, pode ser um berço, uma casa, um barco, a cratera de um vulcão, uma mesa... as possibilidades são infinitas.

Todos os brinquedos têm o seu lugar, mas os objetos que são mais polivalentes oferecem mais possibilidades e proporcionam brincadeiras mais ricas e mais investidas da parte da criança, com todas as vantagens que isso tem.

Sugestão de leitura: How Not to Cheat Children: The Theory of Loose Parts 

(Simon Nicholson)

A brincadeira livre tem riscos?

Alguns. Essa é, na verdade, uma das grandes vantagens da brincadeira livre, porque quando uma criança brinca livremente é responsável por gerir o seu próprio risco.

Especialistas do desenvolvimento infantil observam que as crianças, de modo geral a partir dos 4 anos, são bastante boas a fazer essa gestão. Elas procuram a quantidade de risco que acham aceitável, e, quando as deixamos, elas sentem confiança e aprendem a vencer esses riscos e o medo que representam, sentem o prazer de conquistar os seus limites. Essas aprendizagens vão ser úteis para toda a vida: quando tiverem que agir com coragem e com determinação e sentirem borboletas na barriga, vão-se lembrar de que são capazes de ultrapassar desafios. E se caírem às vezes, não faz mal: cada queda ensina-os a posicionar-se melhor, a equilibrar-se melhor e a cair melhor, tornando menos prováveis quedas perigosas no futuro.

Claro que temos a responsabilidade de evitar acidentes graves. Os especialistas em brincadeira costumam falar em ambientes "tão seguros quanto necessário mas não tão seguros quanto possível", porque demasiada segurança compromete o desenvolvimento da capacidade da criança se proteger a ela própria (principalmente!) na ausência de um adulto, acabando por provocar perigos maiores. A proteção excessiva limita as experiências, a construção da auto-confiança e a capacidade da criança desenvolver uma boa avaliação do risco, e por isso torna-se... perigosa.

Sugestão de leitura: Sem Medo: Crescer numa sociedade com aversão ao risco

(Tim Gill)

As crianças não sabem a que brincar...

Todas as crianças têm a capacidade de brincar, mas muitas não estão habituadas a estar aborrecidas nem a serem elas próprias a procurar soluções, ou estão habituadas a recorrer imediatamente a formas de entretenimento passivas, como os ecrãs lúdicos, em que não têm que fazer nada para se distraírem. Por isso, quando confrontadas com o "vazio" de uma brincadeira não definida, sentem que não sabem o que fazer.

Mas se as deixarmos estar sem nada para fazer de vez em quando (por exemplo, enquanto fazemos o jantar), ao fim de algum tempo lembram-se de alguma coisa e começam a brincar, mesmo que comecem por refilar e tentar que sejamos nós a resolver o problema. Gradualmente vão percebendo que têm capacidade de inventar brincadeiras, e as brincadeiras tornam-se mais interessantes e mais rápidas a surgir. E essas serão as brincadeiras que vão deixar as melhores memórias.

Sugestão de leitura: Crianças aborrecidas… tornam-se mais resilientes (VISÃO)

Os adultos devem brincar com as crianças?

Sim! Brincar juntos é a melhor forma de estabelecer e fortalecer laços afetivos, e as crianças adoram brincar com adultos, principalmente se os adultos estiverem efetivamente presentes e interessados, e tanto mais quanto mais o adulto estiver atento à intenção da criança de forma a não dominar a brincadeira.

A possibilidade de mudar de papel e poder "mandar" no adulto, sentir que tem toda a atenção do adulto, ver o adulto a aproximar-se do seu nível ao brincar, ou simplesmente poder participar numa atividade dos "grandes", como cozinhar com os adultos, eleva a criança, dá-lhe possibilidades que sozinha ou com outra criança não teria, e reforça a sua auto-imagem e a ligação com o adulto.

Sugestão de leitura: The Importance of Play in Promoting Healthy Child Development and Maintaining Strong Parent-Child Bonds

(Academia Americana de Pediatria)