O papel crucial do recreio nas escolas
Fonte: The Crucial Role of Recess in Schools, de Catherine L. Ramstetter, Robert Murray and Andrew S. Garner, 2010
Journal of School Health, November 2010, Vol. 80, No. 11
Mar 2023
Fonte: The Crucial Role of Recess in Schools, de Catherine L. Ramstetter, Robert Murray and Andrew S. Garner, 2010
Journal of School Health, November 2010, Vol. 80, No. 11
Mar 2023
Neste artigo os autores fazem uma revisão dos estudos existentes sobre os benefícios do recreio escolar no desenvolvimento, saúde e bem-estar das crianças. Também fazem o contraponto da importância da atividade livre no recreio com a crescente pressão dos resultados académicos. Quão importantes são os recreios escolares? O que ganhamos ao valorizá-los?
Introdução
Este artigo faz uma revisão da literatura existente sobre os benefícios do tempo de recreio nas escolas primárias dos Estados Unidos da América em resposta à crescente limitação do tempo de recreio que se observa nas escolas deste país. Um estudo de 2006 concluiu que só 74% das escolas primárias americanas ofereciam intervalos regulares para todos os anos do primeiro ciclo. Apesar de haver recreio na maioria das escolas primárias, há disparidades notáveis de escola para escola, e o tempo de recreio médio por dia é diminuto, não ultrapassando, em geral, os 30 minutos.
Os benefícios do recreio para a criança como um todo
A partir dos estudos disponíveis à data do artigo, os autores resumem os benefícios que se atribuem ao recreio para as crianças. Essencialmente, o recreio é visto como um intervalo no dia escolar, como uma pausa das tarefas cognitivas, e é um tempo que oferece oportunidades para descansar, brincar, imaginar, mover-se e socializar. Os estudos revelam que, após o recreio, as crianças estão mais atentas e têm melhor desempenho cognitivo, e que o recreio lhes dá oportunidade para desenvolver competências sociais que não são adquiridas no ambiente mais estruturado da sala de aula. A recomendação generalizada é para que as crianças sejam encorajadas mas não obrigadas a estar fisicamente ativas durante o recreio, e por isso advogam para que o recreio seja considerado como um complemento e não uma substituição nem ser substituído por aulas de educação física.
Benefícios cognitivos e académicos do recreio
Os autores citados neste estudo defendem que as crianças se desenvolvem intelectualmente e constroem o seu conhecimento através da manipulação concreta e de experiências práticas e de exploração, atividades que ocorrem espontânea e regularmente durante a brincadeira livre. Além disso, as teorias defendem que as crianças precisam de ter interrupções entre os períodos de instrução concentrada para aprender melhor, e verifica-se que essas interrupções parecem ser mais benéficas se consistirem numa pausa não estruturada em vez de simplesmente se mudar de uma tarefa para outra. Estas pausas servem para diminuir a tensão e as distrações que interferem com o processamento cognitivo, o que transpõe o valor dos recreios, que promovem essas pausas, também para o domínio cognitivo e académico. Os estudos citados também sugerem que os professores também beneficiam com os recreios: as crianças ficam mais atentas, mais produtivas e têm melhor comportamento na sala de aula após o recreio.
Benefícios sociais e emocionais do recreio
O recreio promove aprendizagens socioemocionais e o crescimento das crianças, oferecendo tempo para interações sociais que ampliam e exercitam as suas competências. Através da brincadeira no recreio, as crianças aprendem estratégias de comunicação valiosas que incluem o saber negociar, cooperar, partilhar e resolver problemas. É também nos recreios que podem aprender a adaptar-se e a ajustar-se ao complexo ambiente escolar, o que por sua vez aumenta e potencia o seu desenvolvimento cognitivo. Por ser uma pausa entre atividades desafiantes a nível mental, o recreio atua como um intervalo que dá às crianças um meio para aliviarem e gerirem a tensão. O recreio é visto como um tempo em que aprendem e praticam competências como a perseverança e o auto-controlo, e em que as interações não-estruturadas pelos adultos com os colegas e amigos promovem o desenvolvimento de competências sociais necessárias a interações sociais mais positivas e mais produtivas.
Benefícios físicos do recreio
Há uma enorme quantidade de estudos que advertem para a necessidade e para o benefício da atividade física, não só para o bem-estar das crianças mas também para a sua maturação académica e social. O tempo de recreio dá-lhes a oportunidade de estar ativas como quiserem, de praticar a motricidade e o movimento e de interagirem com os seus pares, o que contribui para o aumento desejável da atividade física por motivos de saúde. Vários estudos defendem ainda que não só a atividade vigorosa mas também a atividade mais moderada durante o recreio ajuda a contrabalançar a vida sedentária que as crianças levam na escola e, por vezes, também em casa. O recreio também é visto como uma oportunidade muito importante para as crianças estarem ativas só porque lhes dá prazer.
Considerações para os recreios
Segurança e supervisão
A segurança das crianças durante o recreio é citada como uma preocupação frequente de pais, professores e administradores escolares. Algumas escolas [americanas] optam por proibir jogos e atividades que consideram perigosos e algumas eliminam o recreio por inteiro. Os vários estudos referidos propõem algumas medidas que as escolas podem adotar para manter os recreios enquanto salvaguardam essas preocupações, tais como a provisão de espaços e recursos seguros e adequados, a manutenção e inspeção regular de equipamentos infantis, a definição de políticas de segurança e de prevenção de bullying e comportamentos agressivos, o ensino de jogos, regras e estratégias de resolução de conflitos no âmbito das aulas de educação física, e a provisão de supervisão por adultos qualificados que podem intervir no caso de risco para a segurança física ou emocional das crianças.
Recreios estruturados versus não estruturados
Os recreios são vistos como oportunidades para aumentar a atividade física e diminuir a obesidade infantil, e a pressão imposta por essa importante questão de saúde pública tem levado a sugestões de substituir a totalidade ou parte do tempo de recreio por atividades lúdicas estruturadas, ou seja, atividades definidas e dirigidas por adultos (qualificados) e em que todas as crianças têm que participar, como por exemplo as aulas de educação física. As vantagens apontadas a essa estratégia incluem a módica proteção conferida pelos adultos contra comportamentos agressivos indesejáveis, e alguns professores auto-reportam melhorias no comportamento e na atenção na sala de aula após um recreio estruturado com atividade física vigorosa.
No entanto, esta visão colide com o que se conhece sobre os benefícios da atividade não estruturada, que é definida como atividade supervisionada mas em que são as crianças e não os adultos a decidir e a gerir as atividades/brincadeiras. Obrigar os alunos a participar em jogos estruturados no recreio prejudica muitos dos benefícios do recreio a nível social, emocional, cognitivo e até físico que já foram referidos acima. As crianças perdem a oportunidade de criar os seus próprios jogos, de resolver os seus próprios problemas, de gerirem as interações sociais, etc. e mesmo de se exercitarem por prazer em vez de pela imposição de mais uma aula. Na generalidade, os períodos regulares de recreio não estruturado são considerados essenciais para um crescimento e desenvolvimento saudáveis.
Horário e duração dos recreios
Nos Estados Unidos, a duração e o horário dos recreios variam muito. A maioria das escolas primárias que oferece recreio à hora de almoço fazem-no após o almoço, mas há estudos interessantes que argumentam que a ordem devia ser inversa (recreio primeiro e almoço depois), nomeadamente por questões de desperdício alimentar: quando as crianças almoçam antes do recreio, elas abreviam a refeição por forma a ter o máximo tempo possível de recreio e isso leva a um maior desperdício. Além disso, professores e investigadores reportam uma melhoria do comportamento durante a refeição quando as crianças vão ao recreio primeiro, melhoria que se estende ao comportamento na sala de aula. Muitos trabalhos de investigação atestam os benefícios do recreio para as crianças sem especificar a duração e o horário ideais, mas são consensuais relativamente à necessidade de recreios diários e marcados regularmente.
Conclusões
A literatura existente suporta sem ambiguidade a importância dos recreios escolares e os seus benefícios para o desenvolvimento integral das crianças a nível cognitivo, social, emocional e físico. As escolas são vistas como oportunidades únicas para responder a preocupações relacionadas com a obesidade infantil e a nutrição. Ao mesmo tempo que se verifica um aumento da pressão sobre os resultados académicos, que leva à substituição de tempo de recreio por mais tempo de instrução, a investigação conclui que, ironicamente, essa substituição é considerada contraproducente, já que o tempo de recreio permite a aquisição de competências essenciais para o sucesso académico. Além disso, o recreio promove o bem-estar e a saúde física e mental, sendo que são as oportunidades supervisionadas mas não estruturadas as que oferecem maiores benefícios para as necessidades de desenvolvimento infantil. A recomendação que emana da análise dos estudos disponíveis é que o tempo de recreio deve ser considerado como tempo pessoal da criança e em particular não deve ser retirado como forma de castigo nem para aumentar o tempo letivo. Os fatores críticos apontados para um bom recreio são a segurança, as condições ambientais (do espaço de recreio) e a qualificação dos adultos responsáveis por supervisionar os recreios.